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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Que São Direitos Humanos?

O que são Direitos Humanos?
 

Definir o que são direitos humanos não é tarefa das mais simples. Para
alguns filósofos e juristas, os direitos humanos equivalem a direitos
naturais, ou seja, aqueles que são inerentes ao ser humano. Outros
filósofos preferem tratar os direitos humanos como sinônimo de
direitos fundamentais, conjunto normativo que resguarda os direitos
dos cidadãos.

Nos textos produzidos em comemoração aos 60 anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a Agência de Notícias do Supremo
Tribunal Federal (STF) optou por não adentrar nesse debate e adotou a
definição de direitos humanos feita pelo cientista político e jurista
italiano Norberto Bobbio em seu Dicionário de Política, Volume I (A-
K), publicado pela Editora UnB.

No texto, que pode ser lido na íntegra logo abaixo, Bobbio resgata as
raízes históricas da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
evidenciando seu reflexo nas constituições e os problemas políticos e
conceituais impostos pelo novo paradigma civilizatório que surgia.

Segundo Bobbio, o constitucionalismo tem, na Declaração, “um dos seus
momentos centrais de desenvolvimento e conquista, que consagra as
vitórias do cidadão sobre o poder”. Ele lembra que os direitos humanos
podem ser classificados em civis, políticos e sociais, destacando que,
para serem verdadeiramente garantidos, “devem existir solidários”.

“Luta-se ainda por estes direitos porque após as grandes
transformações sociais não se chegou a uma situação garantida
definitivamente, como sonhou o otimismo iluminista”, reflete o
jurista, alertando que as ameaças não vêm somente do Estado, como no
passado, mas também da sociedade de massas e da sociedade industrial.

Direitos Humanos.

1. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E HISTÓRIA CONSTITUCIONAL. — O
constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um texto escrito
contendo uma declaração dos Direitos Humanos e de cidadania, um dos
seus momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra
as vitórias do cidadão sobre o poder.

Usualmente, para determinar a origem da declaração no plano histórico,
é costume remontar à Déclaration des droits de l’homme et du citoyen,
votada pela Assembléia Nacional francesa em 1789, na qual se
proclamava a liberdade e a igualdade nos direitos de todos os homens,
reivindicavam-se os seus direitos naturais e imprescritíveis (a
liberdade, a propriedade, a segurança, a resistência à opressão), em
vista dos quais se constitui toda a associação política legítima. Na
realidade, a Déclaration tinha dois grandes precedentes: os Bills of
rights de muitas colônias americanas que se rebelaram em 1776 contra o
domínio da Inglaterra e o Bill of right inglês, que consagrava a
gloriosa Revolução de 1689. Do ponto de vista conceptual, não existem
diferenças substanciais entre a Déclaration francesa e os Bills
americanos, dado que todos amadureceram no mesmo clima cultural
dominado pelo jusnaturalismo e pelo contratualismo: os homens têm
direitos naturais anteriores à formação da sociedade, direitos que o
Estado deve reconhecer e garantir como direitos do cidadão. Bastante
diverso é o Bill inglês, uma vez que nele não são reconhecidos os
direitos do homem e sim os direitos tradicionais e consuetudinários do
cidadão inglês, fundados na common law. Durante a Revolução Francesa
foram proclamadas outras Déclarations (1793, 1795): interessante a de
1793 pelo seu caráter menos individualista e mais social em nome da
fraternidade, e a de 1795, porque ao lado dos “direitos” são
precisados também os “deveres”, antecipando assim uma tendência que
tomará corpo no século XIX (podemos pensar nos Doveri delI’uomo, de
Mazzini); a própria Constituição italiana tem como título da primeira
parte “Direito e deveres do cidadão”.

A declaração dos direitos colocou diversos problemas, que são a um
tempo políticos e conceptuais. Antes de tudo, a relação entre a
declaração e a Constituição, entre a enunciação de grandes princípios
de direito natural, evidentes à razão, e à concreta organização do
poder por meio do direito positivo, que impõe aos órgãos do Estado
ordens e proibições precisas: na verdade, ou estes direitos ficam como
meros princípios abstratos (mas os direitos podem ser tutelados só no
âmbito do ordenamento estatal para se tornarem direitos juridicamente
exigíveis), ou são princípios ideológicos que servem para subverter o
ordenamento constitucional. Sobre este tema chocaram nos fins do
século XVIII, de um lado, o racionalismo jusnaturalista e, de outro, o
utilitarismo e o historicismo, ambos hostis à temática dos direitos do
homem. Era possível o conflito entre os abstratos direitos e os
concretos direitos do cidadão e, portanto, um contraste sobre o valor
das duas cartas. Assim, embora inicialmente, tanto na América quanto
na França, a declaração estivesse contida em documento separado, a
Constituição Federal dos Estados Unidos alterou esta tendência, na
medida em que hoje os direitos dos cidadãos estão enumerados no texto
constitucional.

Um segundo problema deriva da natureza destes direitos: os que
defendem que tais direitos são naturais, no que respeita ao homem
enquanto homem, defendem também que o Estado possa e deva reconhecê-
los, admitindo assim um limite preexistente à sua soberania. Para os
que não seguem o jusnaturalismo, trata-se de direitos subjetivos
concedidos pelo Estado ao indivíduo, com base na autônoma soberania do
Estado, que desta forma não se autolimita. Uma via intermediária foi
seguida por aqueles que aceitam o contratualismo, os quais fundam
estes direitos sobre o contrato, expresso pela Constituição, entre as
diversas forças políticas e sociais. Variam as teorias mas varia
também a eficácia da defesa destes direitos, que atinge seu ponto
máximo nos fundamentos jusnaturalísticos por torná-los indisponíveis.
A atual Constituição da República Federal alemã, por exemplo, prevê a
não possibilidade de revisão constitucional para os direitos do
cidadão, revolucionando assim toda a tradição juspublicista alemã,
fundada sobre a teoria da autolimitação do Estado.

O terceiro problema refere-se ao modo de tutelar estes direitos:
enquanto a tradição francesa se cingia à separação dos poderes, e
sobretudo à autonomia do poder judiciário, e à participação dos
cidadãos através dos próprios representantes, na formação da lei, a
tradição americana, desconfiada da classe governante, quis uma
Constituição rígida, que não pudesse ser modificada a não ser por um
poder constituinte e um controle de constitucionalidade das leis
aprovadas pelo legislativo. Isto garante os direitos do cidadão frente
ao despotismo legal da maioria. Os Países que a experiência do
totalitarismo, como a Itália e a Alemanha, inspiraram-se mais na
tradição americana do que na francesa para a sua Constituição.

Finalmente, estes direitos podem ser classificados em civis, políticos
e sociais. Os primeiros são aqueles que dizem respeito à personalidade
do indivíduo (liberdade pessoal, de pensamento, religião, de reunião e
liberdade econômica), através da qual é garantida a ele uma esfera de
arbítrio e de liceidade, desde que seu comportamento não viole o
direito dos outros. Os direitos civis obrigam o Estado a uma atitude
de impedimento, a uma abstenção. Os direitos políticos (liberdade de
associação nos partidos, direitos eleitorais) estão ligados à formação
do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa,
uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos
do Estado Os direitos sociais (direito ao trabalho, à assistência, ao
estudo, à tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo), maturados
pelas novas exigências da sociedade industrial, implicam, por seu
lado, um comportamento ativo por parte do Estado ao garantir aos
cidadãos uma situação de certeza.

O teor individualista original da declaração, que exprimia a
desconfiança do cidadão contra o Estado e contra todas as formas do
poder organizado, o orgulho do indivíduo que queria construir seu
mundo por si próprio, entrando em relação com os outros num plano
meramente contratual, foi superado: pôs-se em evidência que o
indivíduo não é uma mônada mas um ser social que vive num contexto
preciso e para o qual a cidadania é um fato meramente formal em
relação à substância da sua existência real; viu-se que o indivíduo
não é tão livre e autônomo como o iluminismo pensava que fosse, mas é
um ser frágil, indefeso e inseguro. Assim, do Estado absenteísta,
passamos ao Estado assistencial, garante ativo de novas liberdades. O
individualismo, por sua vez, foi superado pelo reconhecimento dos
direitos dos grupos sociais: particularmente significativo quando se
trata de minorias (étnicas, lingüísticas e religiosas), de
marginalizados (doentes, encarcerados, velhos e mulheres). Tudo isto
são conseqüências lógicas do princípio de igualdade, que foi o motor
das transformações nos conteúdos da declaração, abrindo sempre novas
dimensões aos Direitos Humanos e confirmando por isso a validade e
atualidade do texto setecentista.

A atualidade é demonstrada pelo fato de hoje se lutar, em todo o
mundo, de uma forma diversa pelos direitos civis, pelos direitos
políticos e pelas direitos sociais: fatualmente, eles podem não
coexistir, mas, em vias de princípio, são três espécies de direitos,
que para serem verdadeiramente garantidos devem existir solidários.
Luta-se ainda por estes direitos, porque após as grandes
transformações sociais não se chegou a uma situação garantida
definitivamente, como sonhou o otimismo iluminista. As ameaças podem
vir do Estado, como no passado, mas podem vir também da sociedade de
massa, com seus conformismos, ou da sociedade industrial, com sua
desumanização. É significativo tudo isso, na medida em que a tendência
do século atual e do século passado parecia dominada pela luta em prol
dos direitos sociais, e agora se assiste a uma inversão de tendências
e se retoma a batalha pelos direitos civis.”

Fonte: BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 7ª ed., Brasília, DF,
Editora Universidade de Brasília, 1995, págs. 353-355.

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