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terça-feira, 15 de novembro de 2011

O Desastre Ecológico e a Ideologia Moderna.

O desastre ecológico e a ideologia moderna.

"Devemos voltar a pensar a sociedade não contra a natureza, mas com ela; e a natureza como sendo - ela mesma - um sujeito dotado de humanidade". Este é um dos trechos mais belos e contundentes da palestra do antropólogo Roberto DaMatta, realizada durante o lançamento do Planeta Sustentável, e que reproduzimos, aqui, na íntegra.



É com grande satisfação e uma enorme consciência de limites (eu quase digo uma consciência ecológica de limites) que eu aceitei participar desta auspiciosa reunião inaugural do projeto "Planeta Sustentável". Minha presença aqui, como conferencista de ocasião, é devedora dos argumentos verdadeiramente evangélicos e a confiança do Matthew Shirts (diretor da revista National Geographic). E eu espero não decepcioná-lo e nem aos ilustres participantes aqui congregados, obrigados a me ouvir.



O que pode dizer um antropólogo social, um especialista em sociologia comparativa, em sociedades tribais e sociedade brasileira sobre um tema tão vasto, quanto especializado?


Não sendo um conhecedor de matéria ecológica, canalizei a minha fala para o que eu vejo como a implicação cultural, moral, ideológica ou social mais significativa do desastre ecológico mais que anunciado para a modernidade. Mais precisamente, para os valores que se enfeixam naquilo que podemos chamar de "ideologia moderna". E, num sentido mais preciso, para essa ideologia no limiar de um novo século e milênio, pois, pela primeira vez, essa ideologia, cujo centro é o individualismo como doutrina e valor, vê-se obrigada a enfrentar o seu contrário: os seus limites, as fronteiras diante das quais ela agora vislumbra (a contra-gosto) o final de um mundo infinito. De fato, vejam o contraste.


O século XVIII foi o momentoso tempo das Luzes. Das iluminações que aclararam a consciência humana, consolidando a perspectiva científica do mundo quando descobriu as "leis imutáveis" da natureza e, por meio delas, as previsões que foram tão básicas na fabricação dessas máquinas que ampliaram e prolongaram os nossos sentidos e o nosso corpo. O século do Iluminismo foi, também, a ocasião na qual a escuridão da magia e da superstição teriam sido desbancadas pela luminosa aplicação da ciência natural aos costumes e valores sociais. Esse foi o momento no qual uma nova postura diante do mundo tomou um impulso inusitado, graças a postulação da idéia de uma natureza humana duplamente independente. De um lado, de Deus; do outro, de uma natureza inteiramente diferenciada da sociedade.


Domínio inesgotável, a ser infinitamente explorado pelas novas técnicas que eram o fruto concreto das idéias científicas e que foram responsáveis por um conjunto de extraordinárias transformações materiais e morais no seio da sociedade. Agora, existia natureza e sociedade e, na sociedade, religião e política eram esferas separadas. Um dos resultados do Iluminismo foi a idéia de que o Paraíso poderia ser construído neste mundo e não mais encontrado após a morte num outro mundo. Foi essa idéia fundamental que, como demonstrou Weber, fez com que fossem liberadas todas as energias sociais com o advento e a hegemonia do Calvinismo, como responsável pelo quadro de valores do capitalismo e do mundo por ele criado.


O século XIX e o XX deram seguimento, aprofundando e consolidando essas novas perspectivas no plano político e social. Não preciso lembrar que foi esse período que consolidou e tornou popular, senão trivial, a idéia de modernidade e, com ela, a de que os indivíduos poderiam romper com o todo (a sociedade) de modo a fazer valer os seus interesses, obter justiça ou alcançar a felicidade essa base da noção ocidental de revolução.


Este foi o momento em que aplicou-se à sociedade aquilo que se havia descoberto pelo estudo da natureza. O resultado acumulado apesar de todos os seus desastres e tragédias (autoritarismo, comunismo, fascismo, racismo e holocausto, provas de que planejamento racional do futuro seria possível e conseqüências da racionalidade da qual resultava esse planejamento) persistia.




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